quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Terça-feira

Agora parece que finalmente consegui engatar uma boa sequência de filmes no festival. Depois de Kaboom e Biblioteca Pascal, já foram mais quatro bons filmes. Terça foi dia da maratona de Carlos, do Olivier Assayas . Para conseguir encarar as cinco horas e pouco de filme, o jeito era pegar mais leve na programação. Então, antes dele só assisti:

Of gods and Men, de Xavier Beauvois
Este é um desses filmes que a gente começa a assistir sabendo exatamente o que vai acontecer e isso não diminui nem um pouco o prazer de assisti-lo. Ao contrário, até faz com que aproveitemos melhor sua narrativa lenta e a repetição cotidiana dos planos. O filme se passa num mosteiro da Argélia, em que a princípio convivem em paz monges franceses e a comunidade mulçumana. Mais do que em paz: em cooperação - eles prestam serviço de atendimento médico e frequentam as festas mulçumanas a que são convidados, e alguns moradores trabalham dentro do mosteiro fazendo pequenos serviços. No entanto, essa harmonia é quebrada com a ascensão do terrorismo religioso interno no país: pessoas começam a ser mortas por não usarem o véu ou apenas por serem estrangeiras. Os monges precisam então tomar decisões fundamentais, que envolvem não só a sua segurança pessoal, como a relação da comunidade e a sustentação da sua fé e das doutrinas do catolicismo. O que fazer: ir embora do país? Aceitar a segurança armada do exército? Prestar atendimento médico de emergência aos terroristas? São algumas das questões colocadas pelo filme. O que impressiona é a sutileza e a paciência com que as decisões são filmadas. Uma verdadeira declaração de fé nas imagens e na sua potência.
Nota: 9

Enfim, depois veio:

Carlos
, de Olivier Assayas
Talvez uma das palavras mais apropriadas para descrever esse filme seja imensidão: do tamanho do filme à abrangência histórica do seu personagem, passando pela ambiciosa construção de cinema em torno - tudo no filme é imenso! Existe, em um cinema mais recente, esse desejo de contar a história dos movimentos guerrilheiros/terroristas/esquerdistas do anos 1960 e 1970. De filmes mais ingênuos, como Munique, do Spielberg, a documentários como o Advogado do Terror (o personagem de Jacques Vergès inclusive aparece no filme de Assayas defendendo Magdalena Kopp) ou a ficção alemã O Grupo Baader Meinhof, de Uli Edel, os exemplos de multiplicam.
Não que o objetivo do filme de Assayas seja contar exatamente a história destes grupos ou do terrorismo. Mas seu desejo de construir o personagem de Carlos passa necessariamente por essa história. Uma história que não deixa de ser a de um grande fracasso político, de perda de utopias e de capitalização absoluta do mundo e das relações interpessoais. E que também tem o seu começo no movimento contrário: na explosão de desejos sobre o mundo e sobre os corpos. Dois movimentos que Assayas capta maravilhosamente. A imagem da potência está lá: com Carlos nu, diante do espelho, depois de cometer seus primeiros atentados. E a decadência desse corpo é mesmo física: seu corpo doente sobre uma cama de hospital é finalmente capturado.
Enfim, um exercício de cinema belíssimo que vale suas muitas horas.
Nota: 9

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