quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Primeira semana de Festival do Rio chegando ao fim e esta colaboradora que vos fala com poucos filmes vistos. A grande chateação fica por conta da demora na confirmação de filmes como Tio Boonmee, de Apichatpong e Somewhere de Sofia Coppola, dois dos mais aguardados.
Mas nem tudo é problema e o festival já garantiu um grande momento: Helena Ignez apresentando o retorno do Bandido da Luz Vermelha às telas foi de uma emoção que eu nem saberia explicar de onde veio.

Tietagem à parte, vamos aos filmes:


Luz nas Trevas - A volta do Bandido da Luz Vermelha

Envolto numa disputa judicial que teoricamente o impediria de ser exibido, Luz nas Trevas começa com um jeitão de que não vai dar certo, mas acaba ganhando ritmo. Ney Matogrosso também vai crescendo durante o filme e chega a parecer confortável no final. Alguns diálogos trazem de volta a força de Sganzerla, mas o uso de cenas retiradas do primeiro filme sobre o bandido acabam reforçando a saudade de um cinema sujo, anárquico e marginal.
Nota: 7,5


Essential Killing

O filme mais recente de Jerzy Skolimowski - diretor polonês que ganha uma mostra só sua no Festival deste ano - foi crescendo na cotação do boca-a-boca e acabou sendo bastante visto.
Minimalista nos conflitos e gradiloquente na tensão, construída a partir de poucos elementos e quase nenhum diálogo, é daqueles filmes que te mantém preso à cadeira, alimentado à base de tensão e expectativa. Roteiro e narrativa não seguem a cartilha atual usada na fabricação de filmes comerciais, principalmente quando se fala em Afeganistão, tortura e perseguição.
Nota: 8,5


Kaboom

Conhecer o cinema de Greg Araki tornou-se a experiência mais divertida do festival até aqui. Quem for ao cinema esperando sentido em Kaboom vai acabar desarmado pela atmosfera descompromissada com o qual o diretor desenvolve a história de uma dupla de amigos metidos em uma sequência surreal de acontecimentos.
Bruxaria, pisicodelia, sexualidade e filmes de suspense em universidades. Mesmo esse plot não daria conta de explicar a bagunça criada por Araki, mas vale a pena assistir, nem que seja pelos figurinos.
Nota: 7,0


Pixo

Documentário sobre o universo da pixação na capital paulista chega às telas em momento oportuno, quando mais uma vez a Bienal de Artes de São Paulo ganha interessância a partir da presença de pixadores no evento, desta vez com credencial de convidados, sem que isso diminua o tamanho do barulho que eles são capazes de promover.
Além de acompanhar os rolês de pixo usando imagens captadas pelos próprios pixadores, o documentário levanta questões importantes sobre a diferença entre pixação e grafite e os conflitos envolvendo espaços de consolidação do bom gosto estético, como universidades e museus, em contraponto à uma atividade desmerecida e marcada pela marginalização.
Bom documento sobre a história recente de um movimento que tem poucas oportunidades de fala além da efemeridade de sua ação sobre a cidade.
Nota: 8,5


Malu de Bicicleta

Destaque entre os filmes brasileiros presentes no Festival e premiado em Paulínia nas categorias de melhor ator, atriz e diretor, o novo filme de Flávio Tambellini não empolga. Apesar de destacar-se das comédias românticas produzidas ultimamente no país, o filme não traz novidades pro gênero e é bastante econômico em fazer rir.
Apesar do elenco carismático, o roteiro não ajuda a produzir a empatia necessária e nem segura o suspense no qual Luiz (Marcelo Serrado) se vê aprisionado depois de se apaixonar por Malu (Fernanda de Freitas).
Nota: 6,0

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Quarta-feira

Mais dois bons filmes vistos hoje:

Terça depois do Natal, de Radu Muntean
O Felipe já falou bastante sobre o filme, alguns posts atrás. É realmente impressionante o naturalismo das atuações do filme. E como esse mecanismo é utilizado para criar uma proximidade entre a narrativa e os espectadores. Um pouco como se o filme se passasse numa sala ao lado, acessível e crível ao extremo. Também é notável como a história se equilibra entre a alegria da paixão e a tristeza do rompimento, sem cair em clichês ou no melodrama. Enfim, mais um belo filme do cinema romeno contemporâneo.
Nota: 8.5

O homem do lado, de Mariano Cohn e Gastón Duprat
Mais um bom filme argentino. É uma crítica, bem humorada, embora bastante cruel, dos
valores consumistas e estetas da classe-média alta argentina. Seu personagem principal é Leonardo, um famoso designer e professor, que mora com a mulher e a filha em uma casa projetada pelo arquiteto modernista Le Corbusier. O homem ao lado em questão é Victor, seu vizinho que resolve fazer uma janela com vista para a sala da valiosa casa de Leonardo. A princípio, acreditamos que esta é a razão para todos os problemas do designer. Mas, aos poucos, percebemos que a história não é necessariamente assim. A partir daqui é melhor não falar mais. Pois um dos trunfos do filme é jogar com os preconceitos e valores do espectador.
Nota: 8.5

Terça-feira

Agora parece que finalmente consegui engatar uma boa sequência de filmes no festival. Depois de Kaboom e Biblioteca Pascal, já foram mais quatro bons filmes. Terça foi dia da maratona de Carlos, do Olivier Assayas . Para conseguir encarar as cinco horas e pouco de filme, o jeito era pegar mais leve na programação. Então, antes dele só assisti:

Of gods and Men, de Xavier Beauvois
Este é um desses filmes que a gente começa a assistir sabendo exatamente o que vai acontecer e isso não diminui nem um pouco o prazer de assisti-lo. Ao contrário, até faz com que aproveitemos melhor sua narrativa lenta e a repetição cotidiana dos planos. O filme se passa num mosteiro da Argélia, em que a princípio convivem em paz monges franceses e a comunidade mulçumana. Mais do que em paz: em cooperação - eles prestam serviço de atendimento médico e frequentam as festas mulçumanas a que são convidados, e alguns moradores trabalham dentro do mosteiro fazendo pequenos serviços. No entanto, essa harmonia é quebrada com a ascensão do terrorismo religioso interno no país: pessoas começam a ser mortas por não usarem o véu ou apenas por serem estrangeiras. Os monges precisam então tomar decisões fundamentais, que envolvem não só a sua segurança pessoal, como a relação da comunidade e a sustentação da sua fé e das doutrinas do catolicismo. O que fazer: ir embora do país? Aceitar a segurança armada do exército? Prestar atendimento médico de emergência aos terroristas? São algumas das questões colocadas pelo filme. O que impressiona é a sutileza e a paciência com que as decisões são filmadas. Uma verdadeira declaração de fé nas imagens e na sua potência.
Nota: 9

Enfim, depois veio:

Carlos
, de Olivier Assayas
Talvez uma das palavras mais apropriadas para descrever esse filme seja imensidão: do tamanho do filme à abrangência histórica do seu personagem, passando pela ambiciosa construção de cinema em torno - tudo no filme é imenso! Existe, em um cinema mais recente, esse desejo de contar a história dos movimentos guerrilheiros/terroristas/esquerdistas do anos 1960 e 1970. De filmes mais ingênuos, como Munique, do Spielberg, a documentários como o Advogado do Terror (o personagem de Jacques Vergès inclusive aparece no filme de Assayas defendendo Magdalena Kopp) ou a ficção alemã O Grupo Baader Meinhof, de Uli Edel, os exemplos de multiplicam.
Não que o objetivo do filme de Assayas seja contar exatamente a história destes grupos ou do terrorismo. Mas seu desejo de construir o personagem de Carlos passa necessariamente por essa história. Uma história que não deixa de ser a de um grande fracasso político, de perda de utopias e de capitalização absoluta do mundo e das relações interpessoais. E que também tem o seu começo no movimento contrário: na explosão de desejos sobre o mundo e sobre os corpos. Dois movimentos que Assayas capta maravilhosamente. A imagem da potência está lá: com Carlos nu, diante do espelho, depois de cometer seus primeiros atentados. E a decadência desse corpo é mesmo física: seu corpo doente sobre uma cama de hospital é finalmente capturado.
Enfim, um exercício de cinema belíssimo que vale suas muitas horas.
Nota: 9

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Segunda-feira

O dia começou com dois filmes fracos e com bastante em comum. Tanto o argentino O que mais quero, de Delfina Castagnino, quanto o filme da Costa Rica Água fria do mar, de Paz Fábrega, parecem apostar em um cinema de narrativa simples e de poucos recursos técnicos. O problema dos dois filmes é que eles não apresentam nada de interessante para sustentar esse projeto de economia estética. São filmes plasticamente feios e com enredos que não acontecem. Que de certa forma nos deixam com as perguntas de: para que estes filmes foram feitos? Qual era o desejo que movia seus realizadores? Eu confesso que fiquei sem respostas.

O que mais quero, de Delfina Castagnino
Nota: 5
Água fria do mar, de Paz Fábrega
Nota: 4

Mas a magia do Festival do Rio é a de nos surpreender positivamente quando nossa esperança de ver bons filmes parece estar se apagando.

Kaboom, de Gregg Araki
Eis um filme bastante incomum. Uma mistura de comédia, com suspense, com romance adolescente e, ao mesmo tempo, nada disso exatamente. Entre seitas, bruxas, conspirações e muito sexo, o filme vai construindo uma história cada vez mais maluca – e, por isso mesmo, cada vez mais maravilhosa.
Nota: 8.5

Biblioteca Pascal, de Szabolcs Hajdu
Este filme é uma espécie de fábula da Europa globalizada: a personagem principal é uma mulher de origem húngara, que mora na Romênia, passa pela Alemanha e termina em Londres – para, finalmente, regressar à casa. Toda essa saga é contada com muito lirismo e magia. Ainda que o filme reserve um momento para o choque com a realidade e a desconstrução de seus mecanismos, a força da sua personagem é a de preferir continuar a re-escrever, na medida do possível, sua própria história poeticamente.
Nota: 8.5

Domingo

O dia foi de poucos filmes, apenas dois - afinal, de vez em quando a gente tem de parar um pouco para organizar a vida. O primeiro foi a estreia de:

Agreste, de Paula Gaitán
Se existe um tipo de crítica quase impossível de se fazer é sobre filmes experimentais - e exatamente o caso desse. Mais do que em qualquer outro domínio do cinema, o experimental passa por uma relação direta entre os elementos fílmicos e a experiência do espectador. Em outras palavras, ou a gente compra a viagem de quem fez ou filme ou fica aquela sensação de quem está de fora do jogo de imagens. Nesse filme da Gaitán em alguns momentos essa cumplicidade foi possível: adentramos a um universo feminino de aridez. Mas aos poucos as experimentações começaram a parecer repetitivas e o filme tornou-se exaustivo - quase interminável. Não deixa de ser louvável, de qualquer forma, a construção desse universo e plasticidade imagética e sonora do filme.
Nota: 7

E a noite terminou com a sessão lotada de:

Amores imaginários, de Xavier Dolan
Dolan é o típico diretor faz-tudo: do roteiro ao figurino, da montagem a trilha sonora, ele participa de todas as etapas dos seus filmes. Ele é também tipicamente antenado: vemos desfilar na tela os melhores modelitos modernetes e cortes de cabelo indies, musiquinhas francesas engraçadinhas, os planos e tiques de câmera do cinema contemporâneo. O problema é que essa conjunção torna o seus filmes uma espécie de pot-pourri desgovernado de influências. E aí sobra pouco espaço para a personalidade - o que não deixa de ser uma pena, porque por trás de tantas afetações Dolan tem até boas ideias.
Nota: 5

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Festival do Rio - Dia 3 (parte 1)

21- O Aniversário de David (Il Compleanno, 2010, Itália)

Matteo (Massimo Poggio) é um analista bem sucedido, de 40 anos, casado com Francesca (Maria de Medeiros, e que por ter tido uma infância difícil, nunca se permitiu ser irresponsável, ou "vagabundo", como ele mesmo coloca. Sempre se obrigou a estudar e trabalhar para conseguir os seus objetivos sem depender dos outros, e com isso criou um complexo de superioridade. Matteo vive aparentemente bem, devotado ao trabalho, a esposa e a filha, até que durante as férias de verão, conhece o filho de um casal de amigos, David, um modelo com conteúdo, despertando o seu interesse até então adormecido.

A ação do filme se passa exatamente nessas férias de verão, onde os dois casais, com seus filhos, alugaram uma casa numa praia da Itália. A relação é muito bem estabelecida e envolvente, mas conforme as fachadas vão ruindo e os relacionamentos se deteriorando, a direção carrega um pouco no drama e o filme fica bem menos interessante. O fato do ator brasileiro iniciante Thyago Alves (um cover do Jesus Luz, e que interpreta David) ser jogado no meio de um elenco afiado e experiente, só ajuda a quebrar ainda mais a história do meio pro final. Ainda assim, Poggio e Medeiros sustentam o interesse na trama até o final, que é muito mais dramático do que deveria e com uma solução fácil demais, quase preguiçosa. Uma pena, mas não é de todo ruim.

Nota: 6.5

22- A Encruzilhada (Kavsak, 2010, Turquia)

Uma boa surpresa a Turquia. O filme acompanha a vida de diversos personagens que se cruzam ao longo da trama. Eu sei, seu sei, essa é a trama de Crash, Magnólia, e tantos outros filmes, mas aqui ocorre sem exageros. Guven trabalha em uma empresa de contabilidade, e não participa de nenhuma atividade social alegando que sua mulher e filha são muito apegadas, mas na verdade ele mora sozinho. Seu segredo é ameaçado quando uma companheira de trabalho, Arzu, se muda para a sua sala e percebe incongruências na sua história. Ela mesma está passando por um divórcio difícil e tem que se dividir entre o trabalho, a filha, e o ex-marido alcólatra. No trabalho, um jovem que precisa desesperadamente de dinheiro pra ajudar a irmã que está no hospital, chantageia Guven para encobrir um desvio de dinheiro.

O filme poderia passar desapercebido não fosse a grande eficiência do elenco, que transformam essa história, que poderia ser pesada e melodramática em uma coleção de personagens interessantes. Não simpatizamos com Guven no princípio, mas a interpretação de Güven Kiraç é comovente, e conforme vamos conhecendo os detalhes que o levaram a mentir sobre a família, e o que realmente aconteceu com eles, vão conquistando o expectador, pouco a pouco. O mesmo pode ser dito sobre Sezin Akbasogullari, que a princípio tem toda a simpatia e pena por ser mãe divorciada de um alcólatra que resiste em deixar a família de lado, mas que ao remexer na vida do colega de trabalho, tentando esquecer seus próprios problemas, vai ganhando dimensões bem menos óbvias.

O roteiro tem alguns deslizes e forçações de barra, mas é um bom filme, graças a direção segura e ao ótimo elenco.

Nota: 7.0

23- Isto é o amor (This is love, 2009, Alemanha)

Meu primeiro filme alemão do Festival, que em outros anos tanto me trouxe alegrias. E apesar desse título, o filme passa longe de ser uma comédia romântica, ou até mesmo um romance no sentido mais convencional da palavra.

Corinna Harfouch interpreta Maggie, uma policial que foi abandonada pelo marido sem nenhuma explicação 16 anos atrás, e desde então se afastou da filha e se tornou uma alcólatra. No trabalho, se depara com o caso de Chris (Jens Albinus), um homem que tentando ajudar uma menina vietnamisa a encontrar uma família, acabou arranjando mais problemas do que poderia resolver, e que foi preso ao tentar se matar jogando seu carro contra um caminhão. Maggie vai ter que tentar elucidar o que aconteceu com a menina enquanto lida com seus próprios demônios.

Assim como a memória de um bêbado, vamos entendendo aos poucos como Maggie chegou naquela situação, onde parece não se importar com trabalho, com a filha, e é um fantasma do que foi um dia. Ela chega a dizer que a sobriedade é uma alucinação gerada pela abstinência de bebida alcólica. Ao mesmo tempo, vamos entendendo o que se passou na vida de Chris, que se recusa a contar sua história inteira, comer, beber água, e pergunta constantemente a quanto tempo está preso. São dois personagens interessantíssimos e bem construídos, não são fáceis de se relacionar, ou sequer de gerar qualquer empatia. A relação de Chris com a menina vietnamisa Jenjira é sempre dúbia, o que nos leva a não confiar plenamente nele, nem nela. Já Maggie é ainda mais complicada, já que nenhuma de suas atitudes nos levam a simpatizar com ela. Mas conforme o desenrolar da história, percebemos que nada é tão simples, ninguém é tão bom ou mal. E o final é bastante forte e reflexivo. Certamente um dos que valem a pena conferir no Festival.

Nota: 8.8

domingo, 26 de setembro de 2010

Festival do Rio - Dia 1 e 2

17- Pó (Dust, 2009, Luxemburgo / Áustria)

Um bonito filme, que me surpreendeu, mesmo que não tenha me cativado completamente. O filme conta a história de um casal de irmãos gêmeos que vivem sozinhos numa casa afastada, dentro do seu próprio mundo, e tudo muda quando eles encontram um homem baleado. A inserção do terceiro elemento vai modificar a forma como eles se relacionam, colocando regras sociais e afetivas que antes não importavam dentro desse mundo. A fotografia e a direção são extremamente eficientes ao criar esse mundo livre, com seu próprio tempo, sua própria luz. Vale a pena ver.

Nota: 7,5

18- Viúvas sempre as quintas (Las Viúdas de los jueves, 2010, Argentina / Espanha)

Esse é um dos grandes filmes do Festival até agora. O cinema argentino sabe contar uma história com eficiência, principalmente com um diretor do calibre do Marcelo Piñeyro. Seus últimos três filmes, Plata Quemada, Kamchatka e O que você faria? já demostravam a sua habilidade em construir uma narrativa bem feita, e Viúvas segue o mesmo caminho. O elenco aqui também é maravilhoso, destaco o sempre ótimo Leonardo Sbaraglia. A história se passa em um condomínio de luxo, pouco antes da crise econômica que atingiu a Argentina em 2001. Quatro casais tem suas vidas descontruídas entre dois momentos, com a narrativa pouco a pouco desenvolvendo os personagens e preenchendo as lacunas da história. Enfim, ótimo roteiro, atuações, direção, trilha, edição. Imperdível no Festival.

Nota: 9.0

19- Estigmas (Estigmas, 2010, Espanha)


Filme interessante, com uma fotografia em preto e branco muito bonita. A história é sobre um ex-presidiário de bom coração, alcólatra, que determinado dia acorda com feridas nas mãos que lembram as chagas de cristo. Sem saber como elas surgiram, e como elas não cicatrizam, algumas pessoas o vêem como um santo, enquanto outros sentem repulsa. O filme acaba desandando um pouco no terceiro ato, mas a história é interessante, baseada em um quadrinho espanhol, e tem ótima atuação de Manuel Martinez, que parece um urso, mas passa toda a candura que o personagem precisa com o seu olhar.

Nota: 7.0

20- Terça depois do Natal (Marti, Dupa Craciun, 2009, Romênia)

Outro grande Destaque do Festival, e esse possivelmente nunca vá estrear no Brasil, o que é uma pena. O cinema romeno, que chamou a atenção do mundo com 4 meses, 3 semanas e 2 dias alguns anos atrás, faz mais um filme envolvente e forte. A direção de Radu Muntean é possivelmente uma das melhores que assisti até agora. Os planos sequências sabem ser naturais, e dão a sensação de estarmos presentes, nos apaixonando quando preciso, nos comovendo, presenciando as discussões e sofrendo com os personagens. Que esses planos são bonitos, difíceis, causam admiração, não é novidade. Mas aqui eles são muito mais do que isso, eles são orgânicos, como se não houvesse outra forma de se contar essa história.

Paul (Mimi Branescu, maravilhoso) é casado com Adriana (Mirela Oprisor, perfeita), com quem tem uma filha, mas mantêm um caso com a dentista Raluca (Maria Popistasu). Quando as duas ficam cara a cara no consultório, Paul percebe que vai ter que escolher entre uma das duas. Eu sei que a premissa não promete muito, mas os diálogos e a forma como o roteiro vai trabalhando esses personagens, suas expectativas, suas relações, é arrebatador. O elenco todo está mais do que perfeito, auxilidados por um ótimo roteiro e um diretor que sabe muito bem o que faz.

Nota: 9.0

Se tivéssemos um placar, diria que Romênia e Argentina estão 1x1. E o Brasil está -2, o que é uma pena, num Festival do Rio.

Sábado

A programação era começar o dia com:

Ao mar, de
Pedro Gonzalez-Rubio
Um excelente documentário obser
vacional. Acompanhamos a visita de Natan, um menino de 5 anos que vive em Roma com a mãe, ao seu pai Jorge, um mexicano de origem maia. Jorge é pescador e vive com o pai em uma palafita no meio do mar. Assim, temos a experiência infantil de conhecer um novo universo, inteiramente diferente, e de construir uma relação com o pai. A câmera do filme é impressionante, sempre acompanhando os acontecimentos, mas mantendo-se quase completamente invisível.
Nota: 8,5

Depois, fui conferir a adaptação chinesa do Gosto de sangue, do Coen:
A Woman, a Gun and a Noodle Shop, de Zhang Yimou
Por enquanto, o filme mais di
vertido que vi no festival. Os cenários e figurinos são bastante estilizados - o que combina com a comédia pastelão de jogos de erros. O jogo narrativa entre o que o espectador e os personagens sabem é muito bem sucedido: estamos sempre um passo a frente, vendo-os cometer uma trapalhada atrás da outra.
Nota: 8

A ideia era terminar o dia com o documentário iraniano, A gente acaba se acostumando, de
Mohsen Ostad Ali Makhmalbaf. Mas o filme foi substituído de última hora e não passou.

Sexta-feira

Agora começou oficialmente o festival do Rio e a correria de filme em filme. Este ano me propus a manter a média de três por dia - mas as alterações de última hora da programação já me deixaram devendo um ontem a noite...

Na sexta, a programação foi de uma dobradinha nacional no Odeon:

180º, de Eduardo Vaisman
O filme é interessante. Tem um roteiro bem arquitetado, uma montagem inventiva e boas atuações do trio de atores. Mas peca constantemente por não acreditar na inteligência do espectador - o que é fundamental em uma narrativa que envolve mistérios e suspense. Assim, faz questão de mostrar e explicar mais do que o necessário. Também de pontuar os momentos de virada na trama com uma trilha sonora óbvia. Ainda assim, o final consegue segurar as pontas da história.
Nota: 6

Luz nas trevas, de Helena Ignez e Ícaro C. Martins.
O filme é uma homenagem ao Bandido da luz vermelha - e, nesse sentido, funciona bem. Ficamos com o gostinho de saudades daquele cinema ousado do Sganzerla. Mas como um filme sozinho, Luz nas trevas não sobre muito bem. De certa forma, é como se sua linguagem tenha ficado obsoleta e não de conta da narrativa que tenta contar.
Nota: 7

E a noite terminou com o sensacional:
Essential Killing, de Jerzy Skolimowski
Atuação impressionante de Vincent Gallo. É um desses filmes viscerais, que você sente frio, calor, fome, medo com o personagem. Com certeza, meu primeiro destaque na programação.
Nota: 9

Festival do Rio - Dia 1

O Festival do Rio enfim começou, e a sessão se abertura foi o novo filme do Arnaldo Jabor, A Suprema Felicidade.

14- A Suprema Felicidade (2010, Brasil)

Arnaldo Jabor parece preso nos anos 70 e 80, quando fazia filmes como Eu sei que vou te amar, Eu te Amo, O Casamento, Toda Nudez será castigada. Depois de quase 20 anos sem dirigir nada, ele enfim volta com este A Suprema Felicidade, que sinto dizer, é bastante irregular. O filme mostra 3 diferentes épocas do protagonista, a infância, adolescência e juventude, e como ele se relaciona com família, amigos, amores. O problema é que o filme não tem nenhuma coesão. Os pais, interpretados por Mariana Lima e Dan Stulbach, aparentemente estão numa peça de teatro e esqueceram que era para ser um filme. Se serve de concolo, a direção de arte da casa em que eles vivem, e principalmente os diálogos, só nos fazem sentir mais ainda a teatralidade. Me irritou profundamente os "diálogos" onde personagens, com olhos marejados, olham para a distância e começam a recitar o roteiro como se fosse um monólogo, para em seguida lembrar que deveria estar falando com outra pessoa. Ainda assim, o filme tem um grande trunfo, que é Marco Nanini. Enquanto ele está em cena, quase perdoamos os outros defeitos. Jayme Matarazzo foi uma boa surpresa, ele está bem o suficiente pra nos manter interessados no filme, mesmo quando não achamos nenhuma função para personagens secundários. Meia hora a menos e uma enxugada do roteiro fariam maravilhas por esse filme.

Nota: 5.0

15- Federal (2010, Brasil)

Já esse filme nacional não tem desculpa nenhuma. De longe, o pior do Festival, quiçá do ano. Não existe nenhuma desculpa para esse filme ter sido feito, para que o elenco, que conta com Michael Madson (Cães de Aluguel, Kill Bill) e Selton Mello, tenha aceitado entrar numa furada sem tamanho como essa. O roteiro é ridículo, as atuações são canhestras, a iluminação é primária, e principalmente, a direção é amadora. Não sei quem disse pra Erik de Castro que ele tinha o que era preciso pra fazer um filme de ação policial, mas essa pessoa mentiu. Não tem um plano que valha a pena, e assistir esse filme me deu vergonha alheia por todos os envolvidos. Não é a toa que o filme foi rodado em 2006 e só agora está passando em um Festival do Rio, e nunca entrando em cartaz. Se tem algum filme que merece ficar na lata e nunca sair, é esse. Ou façam um drinking game, uma dose de tequila a cada vez que o diretor fizer um plano deselegante, todo mundo bebe. Eu detestei o filme nesse nível, a querer que voltem a vender bebida alcólica nas salas de cinema.

Nota: 0.0

16- Casa de Ferreiro Espeto de Pau (108 Cuchillo de Palo, 2010, Espanha)

Documentário sobre o tio da diretora Renate Costa, Rodolfo, que supostamente morreu "de tristeza" quando ela era pequena. Ao pesquisar a vida dele, Renate descobriu que o tio era homossexual e fora preso durante a ditadura paraguaia. É interessante ver como ela vai redescobrindo o tio, e como sua imagem era apagada pela família preconceituosa. Tão interessante quanto ver como Rodolfo vai se desvendando, é a relação de Renate com seu pai homofóbico, e em como ele acredita piamente que fez a coisa certa ao não aceitar o seu irmão. Também é chocante acompanhar os detalhes da tortura da ditadura, que não apenas prendia os homossexuais como criavam uma lista com o nome de todos eles e pregavam nas paredes de Igrejas, bancos, mercados, para que eles passassem por uma humilhação pública e moral além das físicas impostas na cadeia. Um bom documentário.

Nota: 7.5

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Preliminares do Festival do Rio - Dia 4

Dia cansativo de alegria nos bastidores do Festival do Rio. Depois de muito atraso, enfim saiu a revista impressa que contém as sinopses e a programação. Muitos cinéfilos esperavam por isso pra fazer sua agenda pras próximas duas semanas (eu incluído). Agora tem que ter paciência e um grande poder de organização pra encaixar todos os filmes (ou a maioria) e torcer pra não deixar passar nada fundamental sem ser visto (coisa impossível). Com minha ampla experiência de anos anteriores, sei que só funciono com uma agenda e muitos post its. A agenda do Mac e do Iphone certamente são um a mais nessa hora. Agora vamos aos filmes de ontem:

10- Comer Rezar Amar (Eat, Pray, Love, 2010, Estados Unidos)

Eu sei, esse não é um típico filme de Festival, aliás o filme vai estrear antes que o evento acabe. Mas já que teve cabine, tá tudo valendo. O filme é o segundo do diretor Ryan Murphy, (de Correndo com Tesouras) que é também o criador das séries Nip/Tuck e Glee. Baseado no best-seller de mesmo nome, o roteiro conta a história biográfica de Elizabeth Gilbert, uma escritora que decide abandonar seu casamento e viajar pela Itália, Índia e Indonésia, buscando o prazer pessoal, espiritual e o equilíbrio entre essas duas coisas. É um alívio enorme ver um filme voltado pro público feminino que não seja sobre uma mulher pós-moderna, dedicada exclusivamente ao trabalho, e que não consegue achar um homem. Comer Rezar Amar é muito mais sobre o desprendimento, sobre o desapego, auto-conhecimento, reflexão, perdão. É claro que no processo ela vai se envolver com Billy Crudup, James Franco, Javier Bardem... Mas ainda assim, esse não é o foco do filme. E como não poderia deixar de ser, é um filme da Julia Roberts. Quem ama ela vai continuar amando, quem não ama vai querer furar os tímpanos cada vez que ela gargalhar. Mas é inegável que essa é sua melhor interpretação desde Closer. O filme tem alguns problemas de ritmo. A parte da Índia, cujo foco principal é a meditação, é a menos interessante. Murphy não conseguiu capturar o humor da autora nessa parte, nem do personagem de Richard Jenkins. E o relacionamento com Bardem não é tão bem desenvolvido quanto merecia, mas depois de 2h30 de filme, era difícil esperar mais. Ainda assim, o desenvolvimento do personagem é interessante, e pra quem não esperar uma comédia romântica, e sim uma jornada de auto conhecimento, vai curtir o filme.

Nota: 7.0

11- Norberto Apenas Tarde (Norberto Apenas Tarde, 2010, Uruguai / Argentina)

A Kenia já apresentou o filme aí em baixo, então não vão falar tanto sobre a história. Só acho válido comentar que o diretor é o Daniel Heddler, mas conhecido por ser o ótimo ator de Abraço Partido e Direitos de Família. O filme não chega a ser maravilhoso, mas o personagem do Norberto é interessante na sua forma de lidar com as mudanças, em como ele se antecipa a elas, mas não lida muito bem com isso. Não é tão bom quanto os filmes do Daniel Burman, mas é uma estréia promissora pro Hendler. Comparado a estréia do Gael García Bernal então, um filme chamado Déficit que passou aqui no Festival de 2007, o cara é um gênio! Deu pra perder um pouco do trauma de atores latinos na direção.

Nota: 7.0

12- Complexo: Universo Paralelo (2010, Brasil)

Inevitável pensar ao entrar na sala: Mais um documentário sobre favela. Infelizmente, o pensamento não muda muito ao sair. No início, somos avisados por uma cartela que os diretores são dois irmãos portugueses que passaram um tempo no Complexo do Alemão e documentaram essa estadia entrevistando os personagens do filme. Cartela inútil, pois em momento algum é utilizado o fato de ser uma visão estrangeira. Ainda assim, algumas das imagens inseridas são bem fortes, e os depoimentos, por mais que não acrescentem muito ao tema, tem momentos interessantes.

Nota: 6.0

13- Sinto sua Falta (Te extraño, 2010, Argentina / México)

Também não vou entrar em detalhes pois a Kenia já fez um ótimo trabalho discursando sobre ele. Confesso que prefiro Kamchatka quando o assunto é ditadura Argentina, mas eu acredito que é um tema que ainda pode render bons frutos. Sinto sua falta não é excepcional, também não acrescenta muito ao tema, mas a relação entre os personagens é inteligente o suficiente pra manter o interesse no filme. A Argentina sabe muito bem desconstruir uma família, o que só me deixa mais curioso pelos próximos filmes da Mostra dedicada a eles.

Nota: 7.0

Foco Argentina

Norberto Apenas Tarde (2010, Uruguai/Argentina)
Sinto Sua Falta (Te Extraño, 2010, Argentina /México)

Este ano o Festival do Rio dará um destaque especial à produção do cinema Argentino. Cerca de 20 filmes da cinematografia recente do país serão exibidos e alguns dos seus diretores estarão presentes no Festival. A produção dos hermanos consegue, em geral, sustentar uma qualidade muito boa. Não que todos os filmes sejam excelentes ou, muito menos, sejam todos iguais. Mas a competência e a regularidade dos filmes do nosso vizinho sul-americano é considerável – assim como, um certo olhar pessimista, ainda que insistente, sobre o mundo.

Hoje assisti à “Norberto apenas tarde”, estreia do ator Daniel Hendler na direção, e “Sinto sua falta”, de Fabián Hofman. Os filmes são bastante distintos: um se passa no Uruguai atual e o outro, na Argentina dos anos 1970; o primeiro é sobre as dificuldades da vida adulta e o segundo, sobre as questões da juventude. Em comum, no entanto, a passividade dos corpos diante das questões políticas e sociais.

“Norberto apenas tarde” é a história de um uruguaio comum: na casa dos 30 anos, branco, de classe-média, empregado, casado – enfim, Norberto começa o filme com a vida resolvida. No entanto, algo rui essa calmaria: sem alarde, sem grandes acidentes, ele resolve mudar de vida. Aos poucos, abandona todos os pilares que o sustentam: troca de emprego, entra no teatro, passa a ter problemas com a mulher. Uma das grandes qualidades do filme é a de filmar essas transformações gradativamente: como uma bola de neve que começa pequenina e leva muito tempo até a tomar um formato gigantesco. A outra é a de não querer psicologizar o que acontece com Norberto: não existem explicações nem, tão pouco, planos para o futuro. Existem pequenas ações que engendram outras, quase involuntariamente. É assim que percebemos que o poderia ser uma utopia de libertação, não passa de uma fábula do não lugar contemporâneo. Isso fica claro, sobretudo, quando o corpo cansado e inerte de Norberto é filmado na presença dos companheiros bem mais jovens da aula de teatro. Como se diante da jovialidade que lhe escapa pelos dedos, já fosse “apenas tarde”.

Nota: 8

Em “Sinto sua falta”, ao contrário, o protagonista é o jovem Javi, em seus 15 anos. Ele ainda não tem a vida ganha de Norberto, embora seja de uma família abastada. Seu corpo ainda é capaz de apaixonar-se e mover-se a mercê das curiosidades e dos encantos da adolescência. O problema é que Javi vive na Argentina dos anos 1970 e vê estourar na sua frente o Golpe Militar do país. Se já não fosse pouco, ele possui um irmão mais velho e militante em uma organização de esquerda. As consequências desses fatores é óbvia e o rapaz é levado pelos país a um exílio voluntário no México.

“Sinto sua falta” é mais um dos inúmeros filmes sul-americanos sobre as ditaduras militares que assombraram os países dos anos 1960 a 1980. A recorrência temática sempre parece uma forma de reviver o trauma histórico que ainda não foi bem resolvido. Nesse sentido, há uma cena bastante sintomática no filme, na qual Javi reencontra sua avó paterna, que oscila momentos de sobriedade com um início de senilidade. A princípio ela o reconhece mas, pouco tempo depois, confunde-o com o seu irmão. É o necessário para acabar com a fingida tranquilidade familiar e trazer a tona as feridas abertas. Eis a encenação metafórica da relação entre o cinema da América do Sul e o seu passado recente. A Javi impotente diante das conjunções políticas resta resignar-se e seguir em frente.

Nota: 7

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Preliminares do Festival do Rio - Dia 3

Depois de tirar o domingo de folga, hoje voltei pras cabines do Festival, enquanto monto minha programação pras próximas duas semanas. São muitos filmes, e como todo bom cinéfilo, tenho que tentar balancear os filmes que quero muito ver, mas sei que vão estrear, com as coisas mais obscuras que certamente nunca virão novamente pro Brasil, mas que em compensação, muitas vezes não valem a pena. Festival é um pouco isso, achar aquela pérola, que você só vai ver por ali. O que não significa que eu não vá ver o filme novo da Sofia Coppola. Mas vamos aos filmes do dia:

7- A Mulher Sem Piano (La mujer sin piano, 2009, Espanha/França)

Definitivamente o pior filme que eu vi até agora. Além de chato, os personagens são totalmente desprovidos de carisma, a fotografia é óbvia, qualquer tema que o filme tente abordar fica totalmente superficial. O diretor Javier Rebollo até tenta criar uns planos mais interessantes, mas é tudo meio lugar comum. As atuações são boas, mas como a história não engata, o elenco não tem muito o que fazer. O roteiro ruim é sobre uma depiladora/dona de casa que tem uma vida enfadonha, e certa noite decide fugir, arruma uma mala e vai pra uma estação de trem. A trama se desenrola (ou não, depende do ponto de vista) no decorrer dessa noite, onde ela vai conhecer umas figuras estranhas, e vai se conhecer um pouco mais também. Uma espécie de crítica pra sociedade, pra tv, pra guerra, pra frieza do ser humano num mundo pós moderno, e nada aprofundado.

Nota: 1.5

8- Cortina de Fumaça (2009, Brasil)



Primeiro filme brasileiro do Festival. Cortina de Fumaça é um documentário sobre a legalização das drogas, as políticas governamentais de proibição, sobre os efeitos do consumo e as consequências de todas essas questões para a sociedade. Em primeiro lugar, tenho que deixar claro que o filme é bem tendencioso. Todas as entrevistas apontam pro mesmo lado, proibir é ruim, utilizar não é tão prejudicial quanto a mídia gosta de mostrar. Acho o documentário ingênuo também ao colocar as informações sobre as drogas são sempre as mesmas. Num mundo com internet, tv a cabo e afins, quem quer se aprofundar no tema consegue facilmente, e só fica com a informação senso comum quem quer. O debate da legalização não está no primeiro passo. Ainda tem muito o que se discutir com a sociedade, mas não se pode dizer que esse tema é totalmente inédito. Ainda assim, o filme tem depoimentos muito interessantes, e alguns argumentos que acrescentam bastante à discussão sobre as drogas e as políticas públicas que eles tanto recriminam. Vale a pena ver.

Nota: 6.5

9- A Empregada (Hanyo, 2010, Coréia do Sul)

Esse filme quase pode ser considerado uma pérola do Festival. Dificilmente vai estrear por aqui, e é um melodrama asiático muito bom. Acho que o final, embora condizente com o decorrer do filme, fica um pouco pesado demais. Mas no geral, o filme cumpre bem o seu papel. O elenco feminino particularmente me impressionou bastante. A história (peguem os lenços) é sobre uma empregada boazinha que é seduzida pelo patrão milionário, causando a ira da esposa traída, grávida de gêmeos, e da sogra malvada. Pra piorar a situação, a empregada fica grávida, e as mulheres da família não vão querer deixar o beber nascer. Eu sei, falando assim não parece nada demais, mas a direção é muito boa, os planos são belíssimos e exagerados, o roteiro, apesar de carregado, tem alguns momentos leves, e a história é boa o suficiente pra nos manter fisgados até o fim.

Nota: 7.5

domingo, 19 de setembro de 2010

Preliminares do Festival do Rio - Dia 1 e 2

Então pessoal, vamos postando por aqui os filmes que formos assistindo no Festival do Rio pra que vocês possam acompanhar nossa cobertura. Espero que gostem!


1- A Enseada (The Cove, 2009, EUA)

Injusto começar o Festival assistindo um documentário vencedor do Oscar, né? Já eleva as expectativas lá pro alto e tenho pena do filme que seguir esse. Mas eu normalmente me preocupo em começar e terminar bem, porque mesmo que tenha um monte de merda no meio, eu vou sempre ficar com uma boa impressão do Festival. A Enseada, pra quem não sabe, é um documentário sobre a matança de golfinhos no Japão. Eles mostram como os japoneses utilizam um sistema de sons pra encurralar golfinhos numa enseada escondida, lá selecionam os que parecem com o Flipper pra mandar pra parques aquáticos, tipo Seaworld. Os outros, incluindo bebês golfinhos, são massacrados com uns arpões gigantes, numa cena fortíssima, triste demais, onde a água da enseada fica totalmente vermelha com o sangue dos golfinhos. Acho que a retórica do filme não é perfeita, não acho que eles tentem o suficiente entrevistar os japoneses, nem apresentar argumentos muito válidos pra combater o que os japoneses dizem. Por exemplo, quando as autoridades falam que eles matam golfinhos porque eles estão acabando com os peixes e está atrapalhando a atividade pesqueira, eles mostram uma ou outra delegação (incluindo a brasileira) de um congresso que eles mesmo admitem ser ineficientes, dizendo que isso esse argumento é ridículo. E provavelmente é, mas custava colocar um estudo, uma estatística, ou um pesquisar sério? Ou quando eles querem comprovar que comer golfinho não é uma questão cultural japonesa, eles vão pras ruas de Tokio e mostram umas 4 ou 5 pessoas falando que nunca comeram golfinho. Isso lá é forma de pesquisa? Mas a verdade é que as imagens com os golfinhos são tão fortes, e a forma narrativa como nós vamos sendo preparados pra isso é tão eficiente, que o melhor argumento que eles poderiam fazer é exatamente mostrar aquelas imagens. Nada parece ter explicação ou justificativa plausível depois daquilo. É um bom documentário-denúncia. Só nos resta torcer pra que ele tenha atingido o seu objetivo e tenha salvado alguns golfinhos.

Nota: 8.0

2- Filho da Babilônia (Son of Babylon, 2009, Iraque)

Esse foi o indicado do Iraque pro Oscar do ano que vem. Ele me lembrou um pouco de Central do Brasil, na medida do possível. Um menininho meio inocente, cruzando o país pobre a procura do seu pai com a ajuda de uma senhora idosa (nesse caso, a sua avó). Com a diferença que aqui é um país pós Guerra, depois que os Estados Unidos invadiram o Iraque pra acabar com o governo do Saddam. O filme parece bem determinado a mostrar a miséria e os estragos que o regime totalitarista de Saddam trouxe pra população iraquiana. Como as cartelas finais nos mostram, milhões de iraquianos foram presos e perseguidos por Saddam, e grande parte acabou em cemitérios coletivos, sem identificação, e sem a menor possibilidade da família encontrar os seus restos, ou de sequer saber o que aconteceu com a pessoa, se está vida ou morta. As pilhas de corpos me lembraram um pouco os campos de concentração da Segunda Guerra, enquanto a procura por alguém que foi levado por um governo totalitarista, sem você conseguir saber que paradeiro ele teve, me lembra muito nossas próprias questões com a ditadura. Mas o filme, em si, é mediano... A criancinha é muito boa, difícil não se envolver. Mas acho que o filme se preocupou muito em mostrar a situação do país, e muito pouco em contar uma história. Mas ainda assim é válido.

Nota: 6.0

3- Buraco Negro (L'autre Monde, 2010, França)

Esse é um filme francês, e isso já diz muita coisa. Lendo a sinopse, "O adolescente Gaspard passa o verão no sul da França com a namorada e um grupo de amigos. Tudo vai bem, até eles encontrarem um celular perdido. Indo atrás do dono, se deparam com o mesmo morto em uma estranha cerimônia de suicídio. Ao lado dele está, desacordada, a bela e sedutora Audrey. A moça de visual gótico logo atrai Gaspard, levando-o a adentrar um mundo virtual chamado Black Hole, onde ela vive uma vida paralela e atende pelo nome de Sam. Criando para si próprio um avatar, Gaspard se deixa seduzir pelo jogo dela, ignorando o perigo que o aguarda.", vamos combinar que nada de muito normal poderia vir, né? O que me fez ver o filme? O comentário geral era que tinha o elenco mais bonito de todos os filmes que tinham sido anunciados até agora pras cabines. Sim, meus caros, críticos de cinema também podem ser fúteis. A história, que poderia gerar um filme de terror teen, vai mais pra um clima bizarro, com cenas de videogame, personagens góticos, contrastando com uma França ensolarada de verão. Durante boa parte da projeção, achei o filme meio enfadonho, mas lá pro final, vira mais um thriller psicológico, com algumas reviravoltas interessantes. O filme não é de todo ruim, mas não chega perto de ser um filmaço também.

Nota: 5.0

Aqui começa meu segundo dia:

4- Zona Sur (Zona Sur, 2009, Bolivia)

O Festival tem dessas coisas, né? Não lembro de nunca ter visto um filme boliviano na vida, e adoro ver coisas assim, nem que seja só pra entender um pouco melhor a cultura daquele país. Infelizmente, esse filme não é bom. Em primeiro lugar, o diretor decidiu que a câmera nunca poderia parar, ele está constantemente em traveling. Ou seja, se você tem labirintite, passe longe desse filme, porque ele não para de rodar, nem por uma cena. Isso poderia ser interessante se fosse ao menos justificado, mas nada na história leva a crer que faria sentido a camera rodar. A história é quase uma novela do Manoel Carlos. Nada acontece de muito relevante e constantemente as pessoas estão fazendo refeições, tomando cafezinhos, discutindo a situação econômica, estudos, preconceito, casamento. Ou seja, a câmera roda o tempo todo, dentro de um único cenário, que é uma casa de classe média-alta em decadência, onde nada de muito relevante acontece. Divertido, né? É um retrato de uma classe, muito parecida com a que temos no Brasil? Sim. É o suficiente pra ser interessante? Não. Gostei da Ninón de Castillo, que interpreta a mãe de uma família meio desconjuntada. Achei a história do filho, que perde um Toyotta num jogo de poker, a mãe grita com ele (e nem tanto, minha mãe teria me feito ver sangue se eu perdesse um carro no jogo), e depois pede desculpa por ter gritado. Mães-madames podem ser condescendentes, mas nem tanto, né?

Nota: 3.0

5- Nossa Vida Exposta (We live in public, 2009, EUA)

Taí um filme que eu não esperava nada e me surpreendeu. A sinopse anunciava um doc sobre pessoas que tinham sua vida exposta na internet, que passaria na mostra midnight. Mas o doc é muito mais do que isso, é focado na vida de Josh Harris, um cara que teve idéias brilhantes sobre a internet quando ninguém ainda considerava o impacto que isso teria em nossas vidas. Depois de ficar milionário do dia pra noite, e fundar uma das primeiras Tvs online do mundo, ele decidiu fazer um experimento. Construiu uma espécie de hotel big brother, onde 100 pessoas viveriam nesse hotel, sem poder sair, sendo filmadas o tempo todo, e teriam toda comida, bebida, drogas, e armas que quisessem. Ótima mistura, né? Pra melhorar a história, eles tinham que passar por interrogatórios que mais pareciam salas de tortura. Depois de experimentar bastante nos outros, ele decidiu fazer o mesmo consigo mesmo. Colocou zilhões de cameras em seu apartamento, e ele e sua namorada Tânia começaram a viver seu próprio Big Brother online. Isso em 1999, bem antes da geração youtube. O bacana é exatamente isso, ver como ele pensou em coisas que seriam corriqueiras muito antes disso acontecer com a gente. O filme infelizmente não tem um desfecho tão interessante quanto o seu meio, o que dá uma sensação de que o filme não é muito bom. Mas só pelos experimentos que josh fez nos anos 90, o filme já vale a pena.

Nota: 7.0

6- Copacabana (Copacabana, 2010, França)

Hora do filme francês do dia. Entre nós, os frequentadores do Festival, costumamos dizer que uma das obrigações que temos todo ano é de assistir pelo menos um filme da Isabelle Huppert. Tem ano que ela tem 4 filmes no festival, ou mais. Definitivamente, ela é o Selton Mello da França, passa o ano inteiro filmando, só assim. E ela é incrível demais. Não preciso nem citar os 1001 filmes que ela fez, não lembro de uma atuação ruim dela (mesmo que eu não ame tudo que ela faça, minha admiração por ela continua intocada). Mas não esperava muito de Copacabana não... Sabe o diretor Marc Fitoussi? Não? Nem eu. E me chame de pessimista, mas eu sou meio desconfiado com diretores que nunca ouvi falar. E tenho que dizer que me surpreendi bastante. O filme é bem clássico, no sentido anti-francês da palavra. Começo, meio, fim, bom desenvolvimento dos personagens. As atuações eram ótimas, o roteiro era tranquilo, leve, comédia dramática. Huppert interpreta uma mulher meio hippie, meio louquinha, que nunca se estabelece em lugar algum, e com isso ganha o ressentimento da sua filha, que anseia por estabilidade. Ela então aceita um trabalho na Bélgica, só pra provar pra filha que pode assumir responsabilidade, e juntar um dinheiro pra ajudar no casamento da filha. Não é um filme imperdível, mas é divertido, gostoso de assistir.

Nota: 7.0


Amanhã tem mais, eu acho...