quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Últimas impressões sobre o Festival do Rio 2010:


Sofia Coppola é um caso bem sucedido de quem encontrou o seu jeito de filmar e agora segue experimentando. Mostrando cada vez mais domínio sobre a narrativa anticlimática e elegendo o tédio como interlocutor, Sofia segue investigando uma subjetividade atual e bastante comum, e a pergunta parece ser sempre a mesma: com o que será que se importam as pessoas hoje?

As referências pop aparecem cada vez mais naturalizadas (algo que deve ter feito Tarantino vibrar a ponto de premia-la em Veneza): a batalha de Guitar Hero só perde para o diálogo entre pai e filha sobre a história da Saga Crepúsculo, cuja citação não precisa nem ser explícita. Interessante também como Sofia se apropria de detalhes afetuosos, como a tatuagem de Dorff onde se lê Cleo, mesmo nome da personagem de Elle Faning.

Se há um cinema contemporâneo que sabe utilizar os conhecidos 'tiques' do que se convencionou chamar 'estética indie' a seu favor, Sofia Coppola dá um ótimo exemplo.
Nota: 9


Turnê

Filme pelo qual Mathieu Amalric foi premiado como melhor diretor em Cannes, Turnê tem um ritmo bem rock'n'roll, e me desculpem os puristas, mas ser rock'n'roll hoje em dia não é pra todo mundo e acho digno valorizar o termo enquanto adjetivo.

Viagens pessoais a parte, Turnê é bem agradável de ser visto, principalmente por causa das cenas de espetáculo, todas elas bem dirigidas e em alguns momentos reforçando a estética neoburlesca através da fotografia.

Figurino, maquiagem e trilha sonora super acertadas.

Nota: 8



Machete é desses filmes nascidos pra serem cultuados enquanto produto pop e isto não é um problema. A questão é que Robert Rodriguez se esforça tanto que esquece de se divertir, lição esta que ele deveria ter aprendido com o amigo Tarantino. O que torna inevitável a comparação entre os dois é justo a larga diferença entre a sensibilidade de ambos para moldar material tão parecido.

Divertido e sujo Machete inegavelmente é. Vale dizer que as melhores cenas do trailer fake que deu origem ao longa estão lá e Dani Trejo ganhou o papel pelo qual será eternizado. O apelo é fortíssimo e Lindsay Lohan interpretando o papel dela mesma é só uma das camadas de queijo extra desse sanduíche podrão. Risada garantida ou seu dinheiro de volta.
Nota: 7



Alguém precisa dizer ao Woody Allen que por mais que ele goste de filmar ninguém irá condená-lo por tirar um ano de férias. Depois de pensar que ele tinha recobrado o fôlego com Tudo Pode Dar Certo, o diretor pareceu meio preguiçoso desta vez: desenrolando burocraticamente o mesmo processo narrativo que costumamos associar ao seu cinema, Você vai conhecer o homem dos seu sonhos termina sem esmero e cheio de arestas.

A gente poderia ter ido dormir sem essa, hein Allen?
Nota: 6



A boa do festival foi ter conhecido o cinema de Apichatpong.

Tio Boonmee enquanto narrativa fantástica alcança com mérito o efeito de naturalizar o absurdo sem forçar a barra. Além disso é possível liga-lo à Somewhere no que diz respeito à afetividade com que são contadas as duas histórias: enquanto Sofia Coppola mergulha na subjetividade contemporânea, Apichatpong reincorpora o folclore ao cotidiano com doçura e muito respeito.

Acredito que o reconhecimento que Tio Boonmee vem recebendo diz muito também sobre a carência do cinema ocidental por novos modelos narrativos. Apichatpong não rompe com nada, mas apresenta os mesmos elementos de narrativa dispostos de outra maneira, e ainda que seja repetitivo citar isso duas vezes em dois parágrafos, o grande tempero é mesmo a afetividade.

Nada em Tio Boonmee parece ser burocrático e Apichatpong pareceu aquele velho aldeão que sabe manipular seus ingredientes fazendo a alquimia acontecer.
Nota: 10




terça-feira, 5 de outubro de 2010

Segunda-feira

Dia de filmes fora do comum:

Film socialism, Jean-Luc Godard
Acho importante começar dizendo que para mim Godard é o diretor que mais domina o fazer cinematográfico - não só entre os atuais, mas entre todos os que já assiste. Isso transparece em seus filmes e também textos. Godard é o tipo de realizador que não precisa mais provar o que quer que seja. Dito isso, essa parece ser a maior dificuldade do seu cinema atual: embora apoiado numa elaboração imagética rica e inventiva, ele é pouco "comunicativo" - e que fique claro que cinema não precisa de forma alguma ser comunicativo para ser bom.
Film socialism nos dá pouquíssimas portas para entrar em seu universo de discussão mesmo que jogue os elementos na nossa cara com veemência: a discussão da proliferação da imagem digital, as questões políticas da Europa contemporânea e as relações entre o público e o íntimo na imagem. Resta-nos mergulhar numa montagem vertiginosa por associação de imagens, jogos de palavras e sobreposições de ideias em constante deslocamento - aí o cenário de um transatlântico parece bastante pertinente. O filme torna-se mais "acessível" quando desloca-se para o conflito entre pais e filhos rodeado pela câmera intrometida de uma jornalista. De qualquer forma, continua sendo uma experiência única de cinema - mesmo com a sensação de estarmos assistindo do lado de fora.
Nota: 8

Ex isto, Cao Guimarães
Cao Guimarães é um diretor que geralmente opera entre os domínios do documentário e do experimental. Neste novo filme, ele agrega o registro ficcional - sem abrir mão dos outros dois elementos. É impressionante como o filme consegue passar de uma coisa à outra sem perder sua beleza e a sua unidade como narrativa. Seu ponto de partida é a livre adaptação da obra Catatau, de Paulo Leminski. Assim, temos Réné Descartes fazendo sua viagem imaginária ao Brasil - este bastante concreto. Primeiro, em uma certa relação com o país do passado: a floresta, os animais, a natureza. Depois, em plena cidade de Recife - nos trechos em que o curto-circuito de registros do filme chega ao seu ápice. Temos uma câmera que acompanha João Miguel encarnada de Descartes pela ruas da cidade e interagindo com as pessoas: personagens reais e o fictício interligados pelos acontecimentos captados pela câmera. O filme ainda passa por uma espécie de surto/performance belíssima de João Miguel, renascido pela experiência.
Nota: 9

Domingo

Outro dia de bons filmes!

Somewhere, Sofia Coppola
Um belo filme. Bastante singelo na forma de conduzir a narrativa. Muitas pessoas estão comparando ao Encontros e desencontros, embora tenha algumas situações parecidas, são filmes muito diferentes. Principalmente, por tratar da relação pai e filha. De qualquer forma, temos a marca dos filmes da Sofia: uma ótima trilha sonora de rock e personagens que não sabem bem o que fazer com aquela sensação de vazio. Talvez o ponto mais positivo seja a falta de pressa em desenvolver a narrativa. Desde o começo do filme, seu personagem principal, o ator Johnny Marco parece estar à beira de um abismo. Ainda assim, acompanhamos sua jornada lenta e cotidiana até lá - com uma leveza do que é insustentável.
Nota:9

Machete, Robert Rodriguez
Filme que nasceu do trailer da dobradinha Planeta terror e À prova de morte. Com certeza, é menos forte que os dois. Mas, ainda assim, é bastante divertido. Cinema debochado e cheio de explosões que tripudia de todos os clichês dos filmes de ação: cenas de luta impressionantes e escatológicas, um herói que conquista todas as mulheres ao redor, vilões caricatos, final previsível, etc.
Nota: 8.5

Carancho, Pablo Trapero
Apesar da boa direção, o filme se perde bastante em um roteiro que não faz muito sentido - não que todo roteiro precise fazer sentido, mas no caso de um filme denúncia da máfia de indenizações por acidentes de transito na Argentina era de se esperar que fizesse. Assim, ficamos entre o romance de um golpista da máfia com uma médica viciada em heroína e as intenções do filme em tratar do problema.
Nota: 7

domingo, 3 de outubro de 2010

Sábado

Esse sábado foi o dia do cinema asiático contemporâneo no meu Festival do Rio: China, Filipinas e Tailância em um mesmo dia.

Memória de Xangai, Jia Zhang-Ke
O diretor articula por meio de depoimentos a história recente de Xangai - sobretudo pós-Segunda Guerra Mundial. Dos closes nos rostos aos grandes planos da cidade, o filme é maravilhosamente belo. Junto com as entrevistas, existem os planos de uma mulher, quase fantasma, que se desloca pela cidade. Em muitos momentos, é difícil reconstruir historicamente os discursos - o que só torna o fluxo de memória mais intenso. Existe também um interesse forte pelas imagens - principalmente cinematográficas - que constituem essa memória recente. De certa forma, vemos a construção imagética de uma grande potência, a China, desde as suas guerras internas, passando pela Revolução Cultural. Junto com isso, acompanhamos como esse processo macro nacionalista atravessou, literalmente, a vida dos envolvidos.
Nota: 8.5

Independênica, Raya Martin
Filme bastante estilizado com várias formas de construção narrativa anti-naturalista: dos efeitos de cor na imagem em p&b à um corte brutal no fluxo da história para a inserção de um pequeno documentário falso, passando pelo cenários pintados ao fundo. É uma experiência de cinema interessante - embora, os efeitos nem sempre funcionem tão bem.
Nota: 8

Tio Boomnee,
Apichatpong Weerasethakul
O primeiro Apichatpong visto no cinema é inesquecível. Sem medo de soar repetitiva: é uma experiência de cinema imersiva e sensorial. Cinema-matéria. Fortemente enraizado no mundo natural, para contar uma história que o ultrapassa - ou penetra ou se mescla tão fortemente. Um pouco o curto-circuito de tempo e espaço cinematográficos. Enfim, melhor filme do festival até o momento.
Nota: 9.5

Sexta-feira

Reza a lenda que sempre existe aquele dia no Festival que a gente decidi não ver nada para descansar. Se isso é verdade para todo mundo ou não, não sei. Só sei que para mim esse dia foi a quinta - nem pisei no cinema...

Sexta-feira, já recuperada e com saudades da maratona foi dia de ver:

A casa muda,
Gustavo Hernández
Um filme de terror-dispositivo bem interessante - sobretudo a partir do seu final (podem deixar que não vou contar!). A câmera acompanha o tempo inteiro, com um plano-sequência que dura o filme todo, a personagem de Laura. Ela e seu pai estão passando a noite em uma casa abandonada, quando começam a ouvir barulhos e vozes estranhas. Daí para frente seguimos uma trama de cinema de terror clássica - até o final do filme.
Nota: 8

Em seguida, foi o momento de ver o documentário chilneno:
Nostalgia da luz, Patricio Guzman
O filme articula uma relação entre a astronomia, a arqueologia e os desaparecidos políticos do Chile no período Pinochet. Em comum, o deserto do Atacama - local fértil para a pesquisas científicas do solo e dos céus e também onde se desovaram muitas vítimas do regime militar. Constroi uma relação entre passado cósmico, pré-histórico e próximo bem interessanta. Mas, de certa forma, prende-se muito no formato clássico de documentário. O que deixa tudo isso um pouco cansativo.
Nota: 7

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Retrospectiva 1a semana do Festival do Rio

1- A Enseada - 8.0
2- Filho da Babilônia - 6.0
3- Buraco Negro - 5.0
4- Zona Sur - 3.0
5- Nossa Vida Exposta - 7.0
6- Copacabana - 7.0
7- A Mulher sem piano - 1.5
8- Cortina de Fumaça - 6.5
9- A Empregada - 8.0
10- Comer Rezar Amar - 7.0
11- Norberto Apenas Tarde - 7.0
12- Complexo: Universo Paralelo - 6.0
13- Sinto sua falta - 7.0
14- A Suprema Felicidade - 5.0
15- Federal - 0.0
16- Pó - 7.5
17- Viúva sempre as quintas - 9.0
18- Estigmas - 7.0
19- Terça depois do Natal - 9.0
20 - Aniversário de David - 6.5
21- A Encruzilhada - 7.0
22- Isto é o amor - 8.0
23- A Vida dos Peixes - 8.5
24- Amores Imaginários - 8.5
25- Kaboon - 8.5
26- Água Fria do Mar - 1.0
27- King's Road - 5.5
28- Essential Killing - 8.0
29 - Elvis e Madona - 5.0
30- Beijos - 7.0
31- Líbano - 9.0
32- Biblioteca Paschal - 7.5
33- Protektor - 6.5
34- Of God and Men - 8.0
35- Monstros - 4.0
36- Mine Vaganti - 7.5
37- Filme Inacabado - 8.0
38- Route Irish - 6.5
39- Invenção da Carne - 0.0
40- Minhas Mães e meu pai - 9.0