segunda-feira, 31 de março de 2008

Quando a coisa ficou preta

Leio O Filme Noir, de Patrick Brion, cartapácio de 450 páginas sobre o que o autor chama de “A idade de ouro do filme policial americano, de Alfred Hitchcock a Nicholas Ray”. Ele analisa 82 filmes, contando várias fofocas de bastidores. A lista começa com Rebecca (1940), de Hitch, e vai até A Bela dos Bas-Fond (Party Girl, 1958), de Ray, como diz o subtítulo do livro.

Ele pára sua análise antes dos anos 60 porque, segundo Brion, o filme noir teria entrado em decadência a partir daí, apesar de admitir haver vários grandes filmes noir a partir dessa data. Ele disse querer se concentrar no auge.

O mais interessante é uma exaustiva lista que ele publicou logo no início da obra levantando TODOS os filmes noir do período. Ele os dividiu em três colunas: “os filmes noir” (os propriamente ditos), “em torno do filme noir” (tinham temas de crime, morte e sedução, mas não se alinhavam na estética) e “outros títulos” (filmes que foram influenciados pelos noir).

A terceira lista, por vezes hilária, tem filmes como Cidadão Kane, Bambi, O Grande Ditador. A segunda vai de Casablanca, O Retrato de Dorian Gray e O Homem que Sabia Demais.

A preciosíssima lista de todos os 203 filmes noir clássicos vem recheada da ficha técnica completa, várias informações curiosas, inúmeras fotos, biografia dos atores etc. Nos 82 selecionados como mais importantes pelo autor, análises curtas de 2 páginas até pequenos ensaios de 10 páginas, dependendo do gosto particular do autor.

Tudo saboroso, escrito sem nenhuma arrogância, sem fugir de nenhum assunto – por exemplo, traz uma frase da Veronika Lake reclamando que a figurinista Edith Head, bissexual assumida, beliscava a bunda as atrizes durante as provas de figurino.

Não resisti e segue a lista dos 82 filmes selecionados por Patrick Brion. Só Hollywood, infelizmente.

1940
Rebecca, a Mulher Inesquecível (Rebecca) Alfred Hitchcock

1941
O Falcão Maltês/Relíquia Macabra (The Maltese Falcon) John Huston
O Último Refúgio (High Sierra) Raoul Wash
Fúria no Céu (Rage in Heaven) W. S. Van Dyke II
Suspeita (Suspicion) Alfred Hitchcock
Quem Matou Vicki? (I Wake up Screaming) H. Bruce Humberstone
Estrada Proibida (Johnny Eager) Mervyn Leroy

1942
Capitulou Sorrindo (The Glass Key) Stuart Heisler
A Sombra de um Dúvida (Shadow of a Doubt) Alfred Hitchcock

1943
Quem Matou Quem? (Who Killed Who?) Tex Avery
A Dama Fantasma (Phantom Lady) Robert Siodmak

1944
Pacto de Sangue (Double Indemnity) Billy Wilder
Laura (Laura) Otto Preminger
Trilhos Sinistros (Murder, My Sweet) Edward Dmytryk
Um Retrato de Mulher (The Woman in the Window) Fritz Lang
The Strange Affair of Uncle Harry Robert Siodmak

1945
Alma em Suplício (Mildred Pierce) Michael Curtiz
Curva do Destino (Detour) Edgar G. Ulmer
Quando Fala o Coração (Spellbound) Alfred Hitchcock
Amar foi minha Ruína (Leave Her to Heaven) John M. Stahl
Anjo ou Demônio (Fallen Angel) Otto Preminger

1946
Três Desconhecidos (Three Strangers) Jean Negulesco
Gilda (Gilda) Charles Vidor
O Destino Bate a sua Porta (The Postman Always Rings Twice) Tay Garnett
Envolto nas Sombras (The Dark Corner) Henry Hathaway
A Dália Azul (The Blue Dahlia) George Marshall
Uma Aventura na Noite (Somewhere in the Night) Joseph L. Mankiewicz
Os Assassinos (The Killers) Robert Siodmak
À Beira do Abismo (The Big Sleep) Howard Hawks
Espelhos d’Alma (The Dark Mirror) Robert Siodmak
Correntes Ocultas (Undercurrent) Vincente Minnelli
A Dama do Lago (Lady in the Lake) Robert Montgomery

1947
O Beijo da Morte (Kiss of Death) Henry Hathaway
Prisioneiro do Passado (Dark Passage) Delmer Daves
Sem Sombra de Suspeita (The Unsuspected) Michael Curtiz
O Beco das Ilusões Perdidas (Nightmare Alley) Edmund Goulding
Fuga do Passado (Out of the Past) Jacques Tourneur
O Segredo atrás da Porta (Secret Beyond the Door) Fritz Lang

1948
Cidade Nua (The Naked City) Jules Dassin
A Dama de Shanghai (The Lady from Shanghai) Orson Welles
Rua sem Nome (The Street with no Name) William Keighley
Paixões em Fúria (Key Largo) John Huston
Uma Vida Marcada (Cry of the City) Robert Siodmak
A Taverna do Caminho (Road House) Jean Negulesco
A Força do Mal (Force of Evil) Abraham Polonsky
Baixeza (Criss Cross) Robert Siodmak

1949
Shockproof Douglas Sirk
Ninguém Crê em Mim (The Window) Ted Tetzlaff
Fúria Sanguinária (White Heat) Raoul Walsh
Amarga Esperança (They Live by Night) Nicholas Ray
A Ladra (Whirlpool) Otto Preminger
Pecado sem Mácula (Side Street) Anthony Mann
Maldição (House by the River) Fritz Lang

1950
Pavor nos Bastidores (Stage Fright) Alfred Hitchcock
O Segredo das Jóias (The Asphalt Jungle) John Houston
Sombras do Mal (Night and the City) Jules Dassin
Passos na Noite (Where the Sidewalk Ends) Otto Preminger
Mortalmente Perigosa (Gun Crazy) Joseph H. Lewis
O Cúmplice das Sombras (The Prowler) Joseph Losey

1951
Pacto Sinistro (Strangers on a Train) Alfred Hitchcock
Por Amor também se Mata (He Ran all the Way) John Berry
Torrente de Paixão (Niagara) Henry Hathaway

1953
Alma em Pânico (Angel Face) Otto Preminger
Os Corruptos (The Big Heat) Fritz Lang
Disque M para Matar (Dial M for Murder) Alfred Hitchcock

1954
A Morte Espera no 322 (Pushover) Richard Quine
Janela Indiscreta (Rear Window) Alfred Hitchcock
Pecado e Redenção (Rogue Cop) Roy Rowland
O Império do Crime (The Big Combo) Joseph H. Lewis

1955
Sábado Trágico (Violent Saturday) Richard Fleischer
O Beijo Fatal (Kiss me Deadly) Robert Aldrich
O Mensageiro do Diabo (The Night of the Hunter) Charles Laughton
O Poder do Ódio (Slightly Scarlet) Allan Dwan

1956
No Silêncio de um Cidade (While the City Sleeps) Fritz Lang
O Grande Golpe (The Killing) Stanley Kubrick
Suplício de uma Alma (Beyond a Reasonable Doubt) Fritz Lang
Ao Cair da Noite (Nightfall) Jacques Tourneur

1957
Honra de um Ladrão (The Burglar) Paul Wendkos
A Marca da Maldade (Touch of Evil) Orson Welles

1958
Um Grito de Terror (Cry Terror!) Andrew L. Stone
Um Corpo que Cai (Vertigo) Alfred Hitchcock
A Bela do Bas-Fond (Party Girl) Nicholas Ray

terça-feira, 25 de março de 2008

Ennio Morricone


Não tinha como eu deixar passar.

Ontem à noite, fui ver o concerto regido pelo Ennio Morricone, no Teatro Alfa, em São Paulo. Apresentação única. Ingressos com preços pela hora da morte. Estavam presentes alguns colunáveis, políticos (vi o Guilherme Afif) e gente do meio musical (tenho quase certeza de ter visto o maestro Júlio Medaglia). Enfim, o beautiful people da capital paulistana.

Mas e o show? Bem, sou suspeito pra falar. Lembro de passar horas escutando as trilhas do Morricone, seja durante os estudos ou no rádio do carro. Lembro de rever alguns trechos dos filmes do Sérgio Leone só pra ouvir a música. Não sei quantas vezes já devo ter visto Era uma Vez no Oeste e Era uma Vez na América. Muito dessa minha paixão vem por causa da trilha. Em Era uma Vez no Oeste não esqueço de seqüências como a da entrada do Henry Fonda no filme (“Agora que me chamou pelo nome...”), a da chegada da Claudia Cardinali na estação de trem e do duelo entre o Charles Bronson e Henry Fonda já mais no final. Em Era Uma Vez na América, não me sai da cabeça o Robert De Niro retirando uma laje da parede, relembrando as escapulidas que dava, quando criança, para ver sua amada Deborah dançar ao som de Amapola (a personagem era vivida por uma jovem Jenniffer Connelly na fase adolescente e pela Elizabeth Montgomery, na fase adulta). Sua parceria com o Giuseppe Tornatore também é um espetáculo. O tema de amor de Cinema Paradiso e o tema principal de A Lenda do Pianista do Mar, são maravilhosos.

Morricone é mais conhecido do grande público por sua trilha de A Missão. O filme que chegou a conquistar a Palma de Ouro em Cannes e foi indicado para uma penca de Oscars. Para o meu gosto, A Missão perdeu muito do seu brilho com o passar do anos (como aliás, quase todos os filmes do Rolland Joffé). É uma belíssima trilha, sem dúvida. Melhor que a de Por Volta da Meia-Noite, que acabou, vai entender o porquê, vencendo o Oscar naquele ano. Mas ainda prefiro as trilha que o Morricone compôs para os faroestes do Leone, para os filmes políticos italianos dos anos 70 (Investigação de um Cidadão Acima de Qualquer Suspeita, A Classe Operária vai ao Paraíso, Queimada e Sacco e Vanzetti) e as três que compôs para os filmes do De Palma (Os Intocáveis, Pecados de Guerra e Missão: Marte).

No espetáculo de ontem (que começou com meia hora de atraso), Morricone abriu com o tema inicial de Os Intocáveis, aquele que toca durante os créditos. Prosseguiu com o belo e épico tema de A Lenda do Pianista do Mar (receio que esse filme não resista a uma reavaliação). Depois, Cinema Paradiso e Malena (outra trilha de Morricone que supera o próprio filme). A melhor parte veio com a apresentação da soprano que o acompanha em todos os shows (cujo nome, agora, me foge). Morricone tocou o tema principal de Três Homens em Conflito (lembrado por todos como o do cigarros Camel), Era Uma Vez no Oeste, Quando Explode a Vingança (talvez a minha preferida) e fechou com Êxtase do Ouro, música mais conhecida de Três Homens em Conflito. Foi um show!

Na volta do intervalo, a programação escolhida era sensivelmente inferior. Ouvimos a trilha de Marco Pólo (desconheço esse filme), Pecados de Guerra, a canção tema de Sacco e Vanzetti e de Queimada (essas duas com o auxílio de um coral brasileiro). O concerto foi encerrado com três partituras de A Missão.

Pra não perder o costume, o público pediu bis e Morricone nos atendeu por três vezes. Claro que era tudo combinado. Nem a orquestra saía de sua posição, nem o Morricone levava suas partituras embora. Todo mundo sabia quando e se ele voltaria para mais um bis. De um modo geral, no entanto, a platéia reagiu de uma forma um pouco fria ao espetáculo. Pelos vídeos que vi do show do Morricone no Rio de Janeiro, a impressão que tive foi completamente diferente. Aplausos efusivos, gritaria, exigiram que o Morricone bisasse mais vezes do que estava programado. Acho que isso vem da própria característica do paulistano, mais racional, menos emotivo que o carioca. Não duvido nada que muitos dos presentes nem eram fãs da obra do Morricone. Estavam por lá mais preocupados em tirar fotos para as revistas de fofoca do qualquer outra coisa.

Como eu não tenho nada a ver com isso, hoje posso dizer que, ao menos uma vez na vida, consegui ver o Morricone ao vivo. Pra quem curte cinema e trilha sonora em especial (e não sei como é possível não gostar das duas coisas ao mesmo tempo), Morricone é programa imperdível. Tenho quase certeza que para os entendidos em música, sua obra seja considerada de segunda linha, uma espécie de "sertanejo da música erudita" (é provável que que todos os compositores de trilhas sonora para cinema sejam vistos com olhos tortos pelos demais colegas, seja o próprio Morricone, John Williams, Bernard Herrmann, Jerry Goldsmith, John Barry, Nino Rota etc. etc. etc.). Como não sou um expert em música, guardo o nome e as trilhas de Morricone como umas das minhas grandes paixões no cinema.

Assim como a noite de ontem.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Carrie, A Estranha


Sexta-feira à noite, vejo o Telecine Cult anunciar sua próxima programação: Carrie, a Estranha, do Brian de Palma. Pensei em mudar de canal, afinal Carrie é daqueles filmes que já vi um sem número de vezes. Mas nem bem ele começou, comecei a ver aquela seqüência inicial com a câmera sobrevoando a quadra de voley para se concentrar na Sissy Spacek, seguido do travelling lateral, em câmera lenta, dentro do banheiro feminino do colégio, e não consegui mais me desgrudar.

Carrie é um daqueles filmes com os quais tenho uma relação tão próxima que, hoje, anos depois de tê-lo visto pela primeira vez, tenho enorme dificuldade de analisá-los friamente. Geralmente tenho esse sentimento os filmes feitos no início da década de 80, quando eu começava a me interessar por cinema. Não me peçam, portanto, pra escrever sobre Os Caçadores da Arca Perdida, ET, De Volta para o Futuro, O Feitiço de Áquila, Doublê de Corpo etc. etc. Mesmo vendo claramente os defeitos de cada um deles, permaneço com a visão idealizada lá de trás.

Com Carrie é a mesma coisa. São tantas as cenas que sei de cor, que tenho a tendência de esquecer suas falhas. Revendo-o agora, fica nítida a falta de motivação de alguns personagens (por mais que a personagem da Amy Irving arrependida pelo que fez com a Carrie na seqüência inicial da menstruação, ela nunca abriria mão de ir ao baile e do namorado); a fragilidade das interpretações (a dupla Nancy Allen e do John Travolta parecem amadores e a Piper Laurie dá um show de super-representação); o final abrupto e de certa forma incoerente. Em certos momentos, Carrie lembra um terror B.

Mas o que fica de Carrie é a maestria do DePalma. Sua capacidade de manipular o espectador é impressionante. Seu trabalho de câmera é invejável. Toda a cena do baile ainda hoje impressiona. A entrada de Carrie no salão. A dança com a câmera girando ao redor do casal Carrie e Tommy Ross. Mas nada supera o longo movimento de câmera em que De Palma revela qual o destino que está preparado para a protagonista. A câmera sai da mesa da Carrie, acompanha lateralmente uma das personagens que traz em suas mãos os votos para o rei e a rainha do baile, prossegue com ela entregando os papéis para a comissão julgadora, continua ainda lateralmente mostrando agora uma corda presa à estrutura do palco, repentinamente ela inicia um movimento vertical e vai buscar o balde contendo o sangue de porco, logo acima desse mesmo palco. DePalma realmente já foi grande um dia.

Por traz do verniz de terror, Carrie toca ainda no tema da necessidade de sermos vistos e aceitos pelos outros, da nossa sensação de sermos diferentes dos demais e, por isso mesmo, não estarmos inserido no contexto. A cena inicial da quadra de voley e do banho, quando Carrie tem sua primeira menstruação, retratam bem esse sentimento.

Aliados a outras virtudes (a interpretação de Sissy Spacek e a trilha sonora do pouco valorizado Pino Donaggio), Carrie permanece com um lugar reservado entre meus filmes de terror preferidos.

domingo, 23 de março de 2008

Hey, Jude!

Estava eu em minha aula de cinema mundial essa semana, ouvindo atentamente a aula sobre Victor Fleming, Selznick e O Vento Levou, quando meu cérebro associou Fleming a O Mágico de Oz e, conseqüentemente à figura de Judy Garland.

Garland, de vida conturbadíssima (conheço algo sobre ela graças ao Felipe Tostes, grande conhecedor garlandeano), entregou das maiores atuações que eu já assisti no primeiro remake de Nasce uma Estrela, dirigido por George Cukor.

O filme é muito acidentado, tem problemas graves de ritmo, mas deve ser visto ainda por quem não teve o privilégio por causa da entrega magistral de Garland ao papel, sua sobrevida, seu renascimento na indústria naquela década de 50. Um papel que lhe deu uma indicação ao Oscar, que imerecidamente foi parar nas mãos da Grace Kelly, uma daquelas injustiças inesquecíveis.

Aproveito então para postar um trechinho do filme. Um trechinho não, O trecho do filme, sensacional, "The Man That Got Away". É de partir o coração, principalmente por causa de todas as associações que acabamos fazendo entre ficção e realidade.

Estou tendo problemas para dar continuidade à crítica de Lawrence da Arábia, que alguns leitores já me pediram para fazer. Isso porque o filme é enorme, não apenas em minutos, mas também em conteúdo, ficando difícil reunir tudo em palavras, todas as idéias. Vou rever esses dias e agilizar o lançamento da crítica.

Outras duas que estou devendo para mim mesmo e que prometo entregar em breve são Cantando na Chuva e De Volta Para o Futuro 3, que vai acabar levando, guardadas as devidas proporções de anos / meses, o mesmo tempo para sair como o terceiro filme levou para sair em relação aos dois primeiros. Coincidências da vida.

Isso porque ainda planejo escrever sobre os três Indiana Jones antes do quarto filme estrear, em 22 de Maio deste mesmo ano.

Haja trabalho.

sábado, 22 de março de 2008

Novidades da próxima versão do site

Aproveitando este espaço (que ainda nem é nosso, e sim do Blogger), deixo aqui as novidades que serão implementadas para a próxima versão do site, a ser lançada até maio de 2008. O número da versão será 2.4.0:

- nos perfis, ícones prateados do Oscar, igual ao dourado, para indicações;
- central de usuários (nossa grande novidade, não vou entrar em muitos detalhes neste momento);
- na página da equipe, link para o perfil completo do editor (filmes favoritos, notas, comentários, etc.);
- inclusão de smiley no fórum do site;
- índice alfabético de palavras-chave, um local para centralizar as já mais de 200 palavras-chave cadastradas no site;
- melhoria na compatibilidade com o browser Safari 3.1, da Apple.

Isso e outras novidades menores estarão disponíveis até maio. Fique ligado!

Nazi

Revendo Roma, Cidade Aberta, termino o filme com uma imagem positiva dos nazistas e dos fascistas. Foram os únicos que tiveram a coragem de por um fim na gritaria de Ana Magnani. Quem faz calar Ana Magnani não pode ser de todo mau sujeito.

Toda vez que um filme tem a atriz no elenco, eu abaixo o volume um pouco, pois sei que pelo menos uns três gritos ela vai soltar, além de choros compulsivos, ataques histéricos, rodadas à baiana e quiçá até pomba-gira desce nela.

Em Roma, Cidade Aberta, o rançoso filme de Roberto Rosselini (nunca entendi porque levam em consideção essa missa proselitista), enquanto os homens eram levados presos, as mulheres e crianças viam em silêncio, pois nada havia a fazer frente às armas dos nazistas - exceto Ana Magnani que, em vez de conspirar como os outros, dana a gritar pelo macho dela: "Francesco! Francesco! Francesco!". Até que alguém lhe dá um tiro e, que alívio!, estamos livres da chata.

Mas há ainda uma hora e tanto de filme pela frente, sendo que a personagem principal é um padre, ajudado por um batalhão de crianças órfãs. Acabam traídos por um megera que,
desconfio, era homem - ou, no mínimo, um travesti brasileiro. Reparem só! Já havia traveco brazuca lá nessa época?

quarta-feira, 12 de março de 2008

Série "Conversas de Bar" - Tarkovski

(ou ainda a melhor maneira de impressionar os seus amigos e mesmo assim não pegar ninguém)
Quer parecer o mais bacana da turma cinéfila? É, meu amigo, a coisa não é fácil, vai ter que ver muito filme e beber muito café.
Ou você pode poupar (agora mesmo!) essa trabalheira toda decorando algumas poucas palavras e conceitos, daqueles que impactam qualquer um no meio do gole da cerveja.
Segue ao final do post o número da minha conta bancária.




Ah, Andrei Rublev... 205 minutos do que dizem ser o melhor filme soviético (não é nem europeu, é russo...) da história, né? E nenhuma, mas nenhuma mesmo, cena daquelas malucas/frenéticas à lá Eisenstein que fazem o olho de qualquer um acordar...
E aí, como emplacar? Simples, fácil, e ainda vai te dar uma aura cult e pop ao mesmo tempo - diga algo mais ou menos assim: "o filme pode ser resumido, em poucas palavras, com algo como (parafraseando um super-herói famoso - se parafrasear não for pegar pesado, claro, analise as pessoas à sua volta) com grandes poderes vêm grandes responsabilidades".
Pronto, não foi rápido e indolor? Nem pra contar como o primeiro Corleone morre você demora menos tempo!
















Stalker?
Não tenha medo só porque metade da equipe morreu pra fazer esse filme. Tudo que você tem que dizer pras pessoas é: "vocês prestaram atenção ao começo e ao final do filme?". Depois disso, como a maioria vai dizer que não (porque como diabos lembrar de algo de um filme assim, convenhamos), é só tascar um "o que Tarkovski quer dizer em Stalker, e não nos esqueçamos de que seu cinema é muito ligado às questões espirituais, e que por isso ele foi muito perseguido na antiga URSS, é que Deus é amor". Muita gente vai achar que você está inventando. Seja intransigente e cite o milagre do copo na cena final (momento do filme em que o cérebro de todo mundo, caso tenha se sustentado até então, deve fundir sem chances de recuperação).


Já falamos do mais longo e do mais difícil, tá na hora do mais famoso.
Solaris é batata, não tem como errar e vai ser fácil de convencer as pessoas sem precisar fazer muita cara de sabido. "O que o filme nos mostra é que, mesmo quando nos distanciamos fisicamente, nunca saímos de casa". Se precisar, lembre as pessoas das duas cenas na casa do protagonista, a primeira com a água fluindo, a segunda com tudo parado.

Agora, se te perguntarem algo sobre O Espelho, seja sutil, use palavras como "reminiscências", "poesia audiovisual", "uma viagem para a qual não há palavras" e adicione tempero a gosto.

Se não funcionar é porque você não fez direito, confie.



Em breve trarei mais do mesmo pra emplacar em qualquer roda de boteco que fale sobre cinema cabeça, traduzindo para a linguagem coloquial alcoolizada obras como A Montanha Sagrada de Jodorowsky e O Processo de Joana D'Arc de Bresson. Vocês não perdem por esperar.

segunda-feira, 10 de março de 2008

VALENTE (THE BRAVE ONE)

Lançado diretamente em DVD no Brasil, Valente é a primeira parceria entre uma das melhores atrizes do cinema norte-americano e um diretor europeu de comprovado talento. À simples leitura de uma sinopse, pode até soar estranha a presença tanto de Jodie Foster quanto do diretor Neil Jordan, pois um resumo do filme pode levar ao engano de que nada mais é do que um Desejo de Matar feminino. E o erro de concepção não chega a ser condenável, uma vez que o enredo de Valente conta a história de uma mulher que se torna espécie de justiceira após ser atacada por marginais, situação que tirou a vida de seu namorado. A premissa básica, no entanto, subverte a lógica de produções como as da série estrelada por Charles Bronson, onde a sede de sangue era o grande motor da trama. Em Valente, como não poderia deixar de ser com estes envolvidos, o foco é o psicológico; em outras palavras, o interesse de Jordan, Foster e dos roteiristas Roderick Taylor, Bruce Taylor e Cynthia Morte é revelar como uma pessoa comum pode se transformar em uma assassina sem remorsos. Valente, como se pode perceber, não é um filme com enredo repleto de reviravoltas ou situações surpreendentes. Na verdade, a estrutura da trama é até bastante simples. A verdadeira força do filme é a jornada da personagem principal: a narrativa é sobre uma pessoa, não sobre uma história. Assim que o espectador entende esta diferença, Valente cresce exponencialmente. A trajetória de Erica Bain é construída com cuidado e sem pressa. Não há saltos no “tempo” e a platéia realmente compreende as ações dela. Não é preciso concordar, mas é fácil entender as razões que a levaram a fazer o que faz. Por ser focado basicamente no personagem, Valente só funcionaria com uma atriz capaz de carregar um papel com peso dramático. Neste sentido, ninguém melhor do que Jodie Foster. Sempre intrigante e talentosa, Foster entrega nova grande interpretação, trazendo a platéia para dentro de sua jornada e tornando-a convincente. A atriz consegue apresentar duas Ericas completamente distintas (a do início e a do final do filme) sem perder a credibilidade. A luta, o conflito interno da personagem quando realiza as ações da segunda metade de Valente, deixam claro que a antiga Erica ainda existe, mesmo que tenha sido “sufocada” pelos eventos que construíram aquela nova personalidade. É um belo trabalho de Foster, amparada por roteiro riquíssimo, que oferece uma personagem tridimensional e trágica. O ritmo é lento, especialmente no início, o que pode causar inquietação em alguns. Mas a cuidadosa (des)construção da personagem pedia por isso, assim como o relacionamento entre ela e o detetive (em bela atuação de Terrence Howard), também realizado de maneira convincente. Valente tem seus problemas, como uma desnecessária subtrama envolvendo a ex-esposa do detetive e alguns momentos que exigem boa vontade do espectador, mas ainda é um belo filme. Neil Jordan acerta ao não julgar sua protagonista e os atos realizados por ela e compõe uma obra interessantíssima e potente. Um filme de ação com pessoas reais.

Nota: 8.0

quinta-feira, 6 de março de 2008

Margot no Casamento?


Será essa a tradução para Margot at the Wedding, o mais recente filme de Noah Baumbach, que conhecemos como co-roteirista de A Vida Marinha com Steve Zissou (juntamente com meu Anderson predileto, ou ainda como diz meu amigo Malafatus, o Anderson falso) e também por A Lula e a Baleia, este último escrito e dirigido por ele.

Estou aqui escrevendo este post sobre Margot justamente para entendê-la. Afinal de contas, ainda não consegui decidir se gostei ou não dela, e quando digo dela, entendam, do filme. E ela justamente parece contaminar a história com um tom de incerteza, já que sua personalidade forte e cambaleantemente confusa traz para o filme essa mesma energia. E o personagem com o qual eu mais me identifiquei foi justamente o de Jack Black, que vivia tranqüilo, até saber que fazia parte da família de Margot.


Particularmente gosto quando Nicole Kidman interpreta essas personagens não-arrematadas e com várias costuras abertas o suficiente pra que não se consiga entender bem o seu formato. Assim ela me parece mais interessante do que em papéis de diva. Diva, aliás, ela parece ser todo dia, e hoje em dia isso é ainda mais reforçado pela necessidade que a fez mudar algo nos próprios lábios, o que a está transformando em outra pessoa, já que estou começando a não reconhecê-la mais.

Mesmo achando estranho, consegui reconhecê-la (ainda) desta vez na pele da irmã mal-resolvida que consegue desresolver a todos: a irmã, a sobrinha, o filho, o marido, o cunhado e até os vizinhos. Todos são sugados para dentro do redemoinho Margot e mesmo sabendo disso, todos a amam. Talvez porque consigam enxergar a fragilidade que a fez tornar-se uma escritora que - como Baumbach – parece querer exorcizar seus dramas particulares e familiares através da escrita.

A ação é truncada como a mente da protagonista e oscila entre legal e chata, como o filme em si. Mas ainda assim é possível ter certeza sobre algumas coisas dentro dele: Mais uma vez Baumbach desenvolve um drama familiar complexo que não descarta nenhum dos elementos humanos mais conflitantes, como a relação entre pais e filhos, assim como entre irmãos; o casamento, a sexualidade juvenil e a madura, e os problemas (des)envolvidos com a aceitação do eu pelo outro.

Enfim, Margot at the Wedding nos propõe um bom exercício mental sobre as relações humanas. E também é interessante por duas questões: mostra um Jack Black menos engraçado e uma Nicole Kidman menos bonita.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Bom Dia



Recomendo altamente esse filme bastante delicado do Ozu, um dos mestres supremos do cinema japonês (senão o maior deles). Saiu em dvd (daquelas edições piratas da magnus opus q a gente ama) faz um tempo já e deve estar mofando em muita locadora por aí, e muito injustamente (claro).
A sinopse na capa do dvd, apesar de estar certa, engana quem não conhece o filme. Sim, depois que foram proibidos de frequentar a casa de vizinhos pra ver o campeonato de luta livre, dois irmãos dum bairro suburbano de Tóquio fazem greve de silêncio para que seus pais comprem uma tevê. Mas isso não é o principal do filme, tanto que demora mais ou menos uns 40 minutos pra essa situação começar a acontecer mesmo (o q seria impensável num filme "normal", q a sua "história" só comece depois da metade do filme). O q interessa mesmo é a maneira como a famosa câmera de Ozu vai retratando de forma muito íntima e carinhosa o cotidiano daquelas pessoas, q está prestes a mudar com a modernização do Japão - o filme retrata aquela traumática passagem (de forma nada traumática, diga-se de passagem -- q trocadilho infame!) do Japão pós-guerra, em q os antigos costumes foram sendo substituídos por uma modernização vinda do exterior.


De forma carinhosa, mas ácida. Ozu não deixa passar batida nenhuma chance q tem de criticar as mudanças q ocorriam (o filme é do final da década de 50), e diz com todas as letras q a televisão é uma merda mesmo. E daquele jeito inteligente e bem humorado q é sempre bom ver - até porque não falta hj em dia os malas do "vale tudo" e do "povo consome o q quer, e vê o q quer, eles q escolhem" q defendem a televisão como se telenovela não fosse realmente uma maneira daqui ó (pega na orelha) de deixar todo mundo burro e calminho (cutucando onça com vara curta).
A beleza do filme está toda em sua simplicidade. A montagem precisa e limpa, as atuações tão próximas da realidade q são capazes de fazer o espectador esquecer q está vendo gente atuar (ao contrário de muita choradeira e estrelas mutantes devidamente oscarizadas - eu tô q tô hj!).
E, claro, o olhar do tatame, aquele q vem de baixo. Sim, o famoso ângulo q Ozu adotou e q o diferencia de todo mundo. Quem mais é capaz de filmar daquele jeito? Sinceramente, ninguém. É muito fácil botar uma câmera de baixo pra cima, ter uma pessoa autoritária gritando e transmitir a idéia de semi-deus q se quer passar pro público (o George Lucas entendeu isso direitinho e tá lá, pergunta pra qualquer nerd de verdade se o Darth Vader é flor q se cheire - não vale lembrar do sem graça q faz o papel na trilogia mais nova, blé). Agora, tô pra ver alguém conseguir transmitir um olhar tão especial de maneira tão direta e tocante. É tão bonito q só se pode comparar com a própria vida - e tem algo pelo qual as pessoas passam mais batido do q a própria vida? (um pouco de filosofia pseudo-oriental não faz mal a ninguém)


Então se vc se cansou de grandes planos ululantes, de extravagâncias cheeeias de significado e roteiros fajutos sobre meninas q não calam a boca e q só servem pra fazer as titias chorarem (libere a titia em vc, não tenha medo!), não tenha medo e alugue. Ozu vai se sentar ao seu lado no tatame e conversar com vc de maneira sincera, gentil e honesta, e se vc der ouvidos a ele e estiver disposto a trocar figurinhas (tô falando pra liberar a titia, vai me dizer q vc não tem nenhuma q fala assim...) de igual pra igual, nunca mais vai se esquecer daquilo q vcs falaram um pro outro.
E bons dias pra todo mundo.