Sinto Sua Falta (Te Extraño, 2010, Argentina /México)
Este ano o Festival do Rio dará um destaque especial à produção do cinema Argentino. Cerca de 20 filmes da cinematografia recente do país serão exibidos e alguns dos seus diretores estarão presentes no Festival. A produção dos hermanos consegue, em geral, sustentar uma qualidade muito boa. Não que todos os filmes sejam excelentes ou, muito menos, sejam todos iguais. Mas a competência e a regularidade dos filmes do nosso vizinho sul-americano é considerável – assim como, um certo olhar pessimista, ainda que insistente, sobre o mundo.
Hoje assisti à “Norberto apenas tarde”, estreia do ator Daniel Hendler na direção, e “Sinto sua falta”, de Fabián Hofman. Os filmes são bastante distintos: um se passa no Uruguai atual e o outro, na Argentina dos anos 1970; o primeiro é sobre as dificuldades da vida adulta e o segundo, sobre as questões da juventude. Em comum, no entanto, a passividade dos corpos diante das questões políticas e sociais.
“Norberto apenas tarde” é a história de um uruguaio comum: na casa dos 30 anos, branco, de classe-média, empregado, casado – enfim, Norberto começa o filme com a vida resolvida. No entanto, algo rui essa calmaria: sem alarde, sem grandes acidentes, ele resolve mudar de vida. Aos poucos, abandona todos os pilares que o sustentam: troca de emprego, entra no teatro, passa a ter problemas com a mulher. Uma das grandes qualidades do filme é a de filmar essas transformações gradativamente: como uma bola de neve que começa pequenina e leva muito tempo até a tomar um formato gigantesco. A outra é a de não querer psicologizar o que acontece com Norberto: não existem explicações nem, tão pouco, planos para o futuro. Existem pequenas ações que engendram outras, quase involuntariamente. É assim que percebemos que o poderia ser uma utopia de libertação, não passa de uma fábula do não lugar contemporâneo. Isso fica claro, sobretudo, quando o corpo cansado e inerte de Norberto é filmado na presença dos companheiros bem mais jovens da aula de teatro. Como se diante da jovialidade que lhe escapa pelos dedos, já fosse “apenas tarde”.
Nota: 8
Em “Sinto sua falta”, ao contrário, o protagonista é o jovem Javi, em seus 15 anos. Ele ainda não tem a vida ganha de Norberto, embora seja de uma família abastada. Seu corpo ainda é capaz de apaixonar-se e mover-se a mercê das curiosidades e dos encantos da adolescência. O problema é que Javi vive na Argentina dos anos 1970 e vê estourar na sua frente o Golpe Militar do país. Se já não fosse pouco, ele possui um irmão mais velho e militante em uma organização de esquerda. As consequências desses fatores é óbvia e o rapaz é levado pelos país a um exílio voluntário no México.
“Sinto sua falta” é mais um dos inúmeros filmes sul-americanos sobre as ditaduras militares que assombraram os países dos anos 1960 a 1980. A recorrência temática sempre parece uma forma de reviver o trauma histórico que ainda não foi bem resolvido. Nesse sentido, há uma cena bastante sintomática no filme, na qual Javi reencontra sua avó paterna, que oscila momentos de sobriedade com um início de senilidade. A princípio ela o reconhece mas, pouco tempo depois, confunde-o com o seu irmão. É o necessário para acabar com a fingida tranquilidade familiar e trazer a tona as feridas abertas. Eis a encenação metafórica da relação entre o cinema da América do Sul e o seu passado recente. A Javi impotente diante das conjunções políticas resta resignar-se e seguir em frente.
Nota: 7
Hoje assisti à “Norberto apenas tarde”, estreia do ator Daniel Hendler na direção, e “Sinto sua falta”, de Fabián Hofman. Os filmes são bastante distintos: um se passa no Uruguai atual e o outro, na Argentina dos anos 1970; o primeiro é sobre as dificuldades da vida adulta e o segundo, sobre as questões da juventude. Em comum, no entanto, a passividade dos corpos diante das questões políticas e sociais.
“Norberto apenas tarde” é a história de um uruguaio comum: na casa dos 30 anos, branco, de classe-média, empregado, casado – enfim, Norberto começa o filme com a vida resolvida. No entanto, algo rui essa calmaria: sem alarde, sem grandes acidentes, ele resolve mudar de vida. Aos poucos, abandona todos os pilares que o sustentam: troca de emprego, entra no teatro, passa a ter problemas com a mulher. Uma das grandes qualidades do filme é a de filmar essas transformações gradativamente: como uma bola de neve que começa pequenina e leva muito tempo até a tomar um formato gigantesco. A outra é a de não querer psicologizar o que acontece com Norberto: não existem explicações nem, tão pouco, planos para o futuro. Existem pequenas ações que engendram outras, quase involuntariamente. É assim que percebemos que o poderia ser uma utopia de libertação, não passa de uma fábula do não lugar contemporâneo. Isso fica claro, sobretudo, quando o corpo cansado e inerte de Norberto é filmado na presença dos companheiros bem mais jovens da aula de teatro. Como se diante da jovialidade que lhe escapa pelos dedos, já fosse “apenas tarde”.
Nota: 8
Em “Sinto sua falta”, ao contrário, o protagonista é o jovem Javi, em seus 15 anos. Ele ainda não tem a vida ganha de Norberto, embora seja de uma família abastada. Seu corpo ainda é capaz de apaixonar-se e mover-se a mercê das curiosidades e dos encantos da adolescência. O problema é que Javi vive na Argentina dos anos 1970 e vê estourar na sua frente o Golpe Militar do país. Se já não fosse pouco, ele possui um irmão mais velho e militante em uma organização de esquerda. As consequências desses fatores é óbvia e o rapaz é levado pelos país a um exílio voluntário no México.
“Sinto sua falta” é mais um dos inúmeros filmes sul-americanos sobre as ditaduras militares que assombraram os países dos anos 1960 a 1980. A recorrência temática sempre parece uma forma de reviver o trauma histórico que ainda não foi bem resolvido. Nesse sentido, há uma cena bastante sintomática no filme, na qual Javi reencontra sua avó paterna, que oscila momentos de sobriedade com um início de senilidade. A princípio ela o reconhece mas, pouco tempo depois, confunde-o com o seu irmão. É o necessário para acabar com a fingida tranquilidade familiar e trazer a tona as feridas abertas. Eis a encenação metafórica da relação entre o cinema da América do Sul e o seu passado recente. A Javi impotente diante das conjunções políticas resta resignar-se e seguir em frente.
Nota: 7
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